I. Epidemiologia, screening e indicações de tratamento (Carlos Eduardo Pavésio (GB), Ranjan Rajedran, (GB), Almyr Sabrosa (RJ))
– Diabetes no Brasil
– 4a. Maior prevalência de diabetes no mundo.
– Aproximadamente 30 milhões de diabéticos no país.
– Terceira causa de morte.
– Principal causa de cegueira dos 20 aos 74 anos.
– Afeta 18,6% da população com mais de 65 anos.
– Aproximadamente 50% vai desenvolver alguma forma de retinopatia diabética (RD) durante a vida.
– Depois de 25 anos da doença, 80% dos pacientes terá alguma forma de RD.
– Pacientes diabéticos têm chance de cegueira 30x maior do que não-diabéticos.
– Princípios do screening de retinopatia diabética na Inglaterra
– Screening é um programa de saúde pública, não um teste diagnóstico.
– Indivíduos aparentemente saudáveis são convidados a participar do screening; se o resultado for positivo, são oferecidos outros testes de investigação diagnóstica.
– Algumas pessoas podem se sentir alarmadas ou falsamente tranquilizadas com o screening.
– Responsabilidade ética e moral para assegurar programas de alta qualidade.
– População do screening
– Processo para identificar indivíduos aparentemente sadios que podem apresentar risco da doença.
– Aspectos do screening: política de saúde do governo; deve ser compreensível a todos; necessita haver tratamento; educação do paciente.
– Situação no Brasil: não há programa de screening como política de saúde do governo; pacientes podem se apresentar quando houver sintomas (fase avançada da doença), com consequente maior incidência de cegueira. Assim, necessidade de política ampla para educação da população, identificar o melhor ponto de screening e melhorar o acesso ao tratamento.
– Nota do editor (MJN): desde 1998, no Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo, iniciaram-se os mutirões de screening de retinopatia diabética no Brasil. Os mutirões expandiram-se a partir de 2004, especialmente em Itabuna (BA), sob a coordenação do colega Rafael Andrade. Até hoje, milhares de indivíduos diabéticos participaram destes mutirões. Os projetos têm se difundido pelo país. Em 2018, espera-se que ocorram cerca de 20 mutirões em diversos estados, como BA, SP, RJ, MG, GO, PE, PA, PR e SC, entre outros. Os mutirões de retinopatia diabética constituem-se em projetos de iniciativa privada e contam com apoio de entidades de classe, filantrópicas, empresas, secretarias de saúde e, principalmente, de inúmeros voluntários que trabalham com a saúde (médicos, enfermeiros, assistentes sociais, fisioterapeutas, técnicos de enfermagem, alunos de Medicina e Enfermagem) e da população em geral.
– Programa nacional inglês de screening de retinopatia diabética (RD)
– Oferecido anualmente, com fotos digitais de 2 campos, com midríase medicamentosa, a todas as pessoas com diabetes de 12 ou mais anos. O programa iniciou-se em 2003 e alcançou 82,8% dos pacientes afetados em 2015-16 (2,59 milhões de pessoas com RD e 2,14 milhões fotografados). O custo deste programa, na Inglaterra, é aproximadamente U$ 85,6 milhões (U$ 40,00 por pessoa fotografada).
– Não há motivo para fazer o screening se não houver condições adequadas para o tratamento dos pacientes.
– Equipamentos de OCT para screening são mais caros que os retinógrafos e não são custo-efetivos como ferramenta inicial, pois 65% da população diabética avaliada não tem RD.
– Acredita-se que, dos pacientes com maculopatia, apenas 20% realmente necessitam tratamento e uma porção significante dos outros 80% podem ser acompanhados com retinografia e OCT para excluir edema macular significante.
– Fatores de risco para RD
– Hiperglicemia (1% de redução na hemoglobina glicosilada (A1C) reduz o risco de RD em 40%), hipertensão arterial sistêmica (10 mmHg de redução na PA sistólica reduz o risco de progressão da RD em 35%), dislipidemia, duração do diabetes, etnia (mais comum em hispânicos e sul-asiáticos), gravidez, puberdade, cirurgia de catarata.
– Qual o papel da angiofluoresceinografia retiniana em RD?
– Documentar neovasos de disco (NVD) e/ou de retina (NVE), documentar o grau de isquemia, guiar a fotocoagulação e estabelecer o prognóstico (isquemia macular).
– Quando fotocoagular a RD?
– Fotocoagulação em scatter deve ser postergada em olhos com RD não-proliferativa (RDNP) leve ou moderada. No entanto, deve ser considerada em RDNP grave ou RDP inicial, especialmente em pacientes diabéticos não-insulino dependentes.
– Fotocoagulação em scatter deve ser realizada em todos os olhos com RDP de alto risco.
– Considerar fotocoagulação em RDNP grave também na gestante, se cirurgia de catarata iminente, na falta de aderência ao acompanhamento e se resultado ruim no 1o. olho afetado.
– Vitrectomia VPP precoce deve ser considerada em RDP ativa avançada.
– Todos os pacientes com RD devem ser seguidos cuidadosamente.
– Antes de fazer a panfotocoagulação retiniana, explicar ao paciente: que ele irá perder visão se não fizer o tratamento; que pode perder visão mesmo se o tratamento for realizado mas com risco muito menor; que pode precisar várias sessões de tratamento; que o tratamento pode agravar o edema macular; que hemorragia vítrea e/ou descolamento tradicional de retina podem ainda ocorrer; que o tratamento extenso pode afetar o campo visual e a habilidade de dirigir.
– Técnica de panfotocoagulação retiniana
– 2000 disparos divididos em 2 a 3 sessões , com intervalo de 2 semanas (se possível).
– Marcas de 500 micra (p.e. Volk Quad magnificação x 1,98, com beam em 250 micra).
– Intensidade moderada, duração menor ou igual a 0,1 segundo, a 1 DP nasal do disco óptico e a 2 DP temporais da fóvea.
– Evitar as maiores arcadas vasculares e os neovasos.
– Realizar aplicações com laser pulsado simples convencional. Se utilizar patern scanning laser (PASCAL), realizar aplicações com duração mais curta (mais rápido, bem tolerado pelos pacientes).
– Reavaliação 6 semanas depois do tratamento: verificar regressão de neovasos, desenvolvimento de tecido fibroso, retorno dos vasos embainhados ao normal, menor número de hemorragias intrarretinianas.
– Intervalo no seguimento dos pacientes
– Sem retinopatia ou RDNP leve: 1 ano.
– RDNP moderada sem edema macular significante (EMS): 6 meses a 1 ano.
– RDNP leve ou moderada com EMS: 3-4 meses.
– RDNP grave: 3-4 meses.
– RDP: mensal.
– Resumo de tratamento local de RD
– A fotocoagulação retiniana continua a ser a principal forma de tratamento da RDP.
– Tratar logo os casos de RDP de alto risco.
– Tratar inicialmente a maculopatia nos casos de RDP associada; assim que possível, realizar panfotocoagulação.
– Tratar, em situações especiais, os casos de RDNP grave.
– Dar explicação detalhada ao paciente antes de iniciar o tratamento.
– Protocolo-S: terapia anti-VEGF – aumento do seu papel no futuro? Associar a panfotocoagulação?
– Seguimento próximo e a longo prazo!
– Vida real não é igual a clinical trial.
II. Avaliação multimodal em RD (Pearse Keane, GB)
– Sistemas wide-field são a chave para melhor avaliação e tratamento pois facilitam a observação, determinam atividade da doença e propiciam intervenção cirúrgica objetiva.
III. Angio-OCT em RD (Luiz Roisman, RJ)
– Vantagens sobre a angiofluo e ICG convencionais: mais rápida, mais segura (sem reação alérgica), menor custo, confortável, de fácil repetição, não-invasiva (não requer acesso EV), não necessita midríase, segura na gravidez e mais fácil em crianças, imagens de segmentação e en-face permitem localização da doença nas camadas retinianas, melhor observação dos vasos retinianos.
– Desvantagens em relação à angiofluo e ICG: não detecta vazamento diretamente, alta qualidade de imagens restrita a uma área de scan de 6×6 mm, detalhes da coriocapilar e dos vasos da coroide podem ser limitados devido à difusão da luz através do EPR.
IV. Tratamento do edema macular diabético (EMD) (Ranjan Rajendran, GB)
– Tratamentos disponíveis no sistema nacional de saúde (Inglaterra): laser macular, anti-VEGF (Ranibizumab e Aflibercept), corticoides intravítreos (triancinolona, dexametasona, fluocinolona).
– Bevacizumab não é utilizado, na Inglaterra, com esta finalidade (pois há outros produtos on-label, já liberados para tratamento).
– Anti-VEGF com laser tardio pode reduzir a frequência de aplicações intravítreas a longo prazo.
– Anti-VEGF vs Anti-VEGF + panfoto em olhos com EMD e ausência de perfusão retiniana periférica (Brown DM e cols., DAVE Study Group, Ophthalmology. 2018:125(5):683-90): no seguimento de 3 anos de 40 olhos com EMD, não houve evidências que a terapia combinada com Ranibizumab e fotocoagulação direcionada às áreas retinianas isquêmicas melhoraram os resultados funcionais ou reduziram a carga de tratamento necessário quando comparada à terapia isolada com Ranibizumab.
– Consenso na abordagem do EMD
– Sem tratamento, provavelmente haverá piora gradual da visão.
– Controle clínico do diabetes, da HAS e da dislipidemia é importante como sempre.
– Com injeções anti-VEGF, 95% de chance de a visão não piorar em 5 anos de tratamento.
– Chance de melhora visual de 2 linhas de 50-60% e de 3 linhas de 30-40%, só possível com acompanhamento regular prolongado.
– Pode necessitar alternativas ao tratamento anti-VEGF.
– Pode desenvolver RDP eventualmente e necessitar laser e/ou cirurgia.
– Risco de endoftalmite: 1 para 4000 injeções.
– Possível risco de infarto miocárdio e AVC embora nunca provados definitivamente em estudos até o momento.
– Visão geral e planejamento no tratamento e acompanhamento
– Assuma em tratar por 5 anos.
– 7-9 injeções no 1o. ano, 3-6 injeções no 2o. ano, 2-3 injeções no 3o. ano, 1-2 injeções no 4o. ano, 0-1 injeção no 5o. ano.
– Aguardar 6 meses para combinação com laser, se necessário.
– Se EMD bilateral (25%), tratar os 2 olhos juntos.
– Monitorar a RD com cuidado e, se necessário, realizar panfotocoagulação retiniana (RDP ou RDNP grave).
– Atenção ao controle clínico (diabetes mellitus, HAS, dislipidemia).
– Resumo de tratamento do EMD
– Acompanhamento rigoroso!
– Anti-VEGF:
– Primeira linha no tratamento.
– Injeções têm que ser repetidas por, pelo menos, 3 anos.
– É praticamente certo que vai estabilizar a visão (95% de chance em 5 anos, com tratamento e acompanhamento adequados).
– Chance muito boa de melhorar a visão.
– Risco de efeitos adversos é muito pequeno.
– Antes de iniciar tratamento em mulheres, certifique-se que ela não está grávida e nem vai ficar grávida durante o tratamento.
– Corticoides:
– Segunda linha no tratamento, em geral.
– Só usar como primeira linha nos pseudofácicos, nos verdadeiramente não-respondedores ao anti-VEGF (o que é raro), nos olhos pós-VVPP e nos olhos com edema crônico difuso e esponjoso.
V. O papel do laser no tratamento do edema macular diabético (EMD) (José Augusto Cardillo, Araraquara)
– Protocolo T (Ophthalmology, 2016) (comparação de Aflibercept, Bevacizumab e Ranibizumab para tratamento de EMD) mostrou que houve necessidade de laser adicional, 24-48 semanas depois de iniciado o tratamento anti-VEGF (se AV menor ou igual a 20/50), em 37% dos pacientes tratados com Aflibercept, 50% dos tratados com Ranibizumab e 65% dos tratados com Bevacizumab. No total, depois de 10 injeções de Ranibizumab, 50% dos pacientes necessitaram terapia adicional com laser. Ou seja, ainda há necessidade de laser adicional ao tratamento anti-VEGF.
– De acordo com o ETDRS (1985), 40% dos pacientes que tinham a AV entre 20/40 e 20/400 melhoraram em duas ou mais linhas, quando tratados com laser.
– De acordo com Lavinsky e cols (IOVS, 2011), 48% dos pacientes melhoraram AV em 3 ou mais linhas quando tratados com laser micropulse de alta densidade ou normal.
– Nos primeiros meses de EMD (vazamento focal precoce ou difuso), a doença é mediada predominantemente por VEGF e vai apresentar grande benefício com tratamento anti-VEGF e laser micropulse.
– Com até 2 anos de EMD (início de fibrose e alterações pigmentárias maculares), a doença é mediada por VEGF e inflamação. Vai se beneficiar de tratamento anti-VEGF e laser micropulse ou shortpulse.
– Com duração de EMD maior de 2 anos (perda de fotorreceptores), a doença não é mais predominantemente mediada por VEGF, mas por inflamação. Assim, os pacientes não vão mais se beneficiar com tratamento anti-VEGF. Pode haver melhora do edema (mas resultado funcional indefinido) com laser shortpulse.
– Técnica de fotocoagulação sanduíche: laser shortpulse 360 graus (com limite central a 500 micra da fóvea) e laser micropulse no centro (com limite central a 200 micra da fóvea).
VI. Inteligência artificial em Oftalmologia (Pearse Keane, GB)
– Sistemas de inteligência artificial (IA) podem ajudar os médicos e outros profissionais de saúde a identificar precocemente sérias condições oculares e priorizar os pacientes que necessitam tratamento urgente.
– De acordo com pesquisas realizadas no Moorfields Eye Hospital (GB), sistemas de IA podem realizar o diagnóstico correto de 50 doenças oculares de forma tão precisa quanto os melhores especialistas mundiais.
– Além disso, há aumento do número de exames complementares oculares (principalmente OCT) numa velocidade maior do que a que os especialistas humanos podem analisar. Isto pode causar atraso no diagnóstico e tratamento de doenças graves, o que pode ser devastador para os pacientes. Redes neurais (sistemas matemáticos para identificar padrões de imagem ou dados) que rapidamente aprendem a identificar 10 características de doenças oculares (a partir de imagens complexas de OCT) ajudam no diagnóstico em mais de 94% dos casos.
– O próximo passo é realizar ensaios clínicos para explorar como esta tecnologia pode melhorar, na prática, a assistência aos pacientes. Caso os resultados sejam favoráveis, os sistemas de IA serão empregados, em todos os 30 hospitais e clínicas comunitárias do Moorfields (GB), por um período inicial de 5 anos.